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ARTE

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

TEIXEIRA DE PASCOAES - CANÇÃO MEDROSA (EXCERTO)


Na Noite lívida, o Medo
Vem bater à minha porta,
Como um segredo
Da Esfinge morta.

Anda a rondar nas estradas,
Nas brancas encruzilhadas;
Nos sombrios pinheirais,
Onde ao vento
Violento,
Há mil sombras murmurando,
Torvas de gestos, dançando
Ermas danças espectrais!

E todo se exalta e alegra!
Doido, ri na noite negra,
E, doido, esvoaça,
Quando cinge,
N´um desejo mais aceso
Que uma estrela,
Alma sozinha que passa...
E, de súbito, congela,
Sob o peso
Dos teus olhos, muda Esfinge!
É que a sua formosura
De brancura
Tão intensa,
Em frio mármore condensa
Tudo quanto receber
A influência desvairante.
Fulminante
Do seu vulto
Que anda oculto
Em negra máscara a arder!

O Medo paira nos rios,
Pondo torvos nevoeiros
E arrepios
Entre os choupos e os salgueiros,
Cheios de gestos parados,
Congelados.
Sobre as águas se debruça,
E nos açudes soluça,
Tão alto que a noite morta
Ressuscita!
E, toda aflita,
Corre a paisagem absorta,
Geme um lúgubre gemido...
E mais lívida parece
E mais escura,
Quanto ao vento do Marão
A nocturna solidão
Mais emudece...
E as folhas têm um ruído
De secura.

Vento de febre e desgraça,
Voando incerto,
N´um queixume.
É o fantasma do Deserto.
Com asas negras de lume,
Requeimando
As folhagens viridentes
E trementes
Que se torcem, crepitando.

E ao ver nas águas do rio
A sua imagem
O Medo branco de medo
É um espectro em desvario!
Máscara doida correndo
Pelas sombras da paisagem,
Vivas de alma e de segredo,
Estremecendo...

E a lua, ao vê-lo passar,
Tem mais lívido palor
Sobre o silêncio das coisas.
Mudas fontes de terror
Dir-se-á que vão gelar.
Só as aves tenebrosas
Soltam pios agoureiros
Do alto de ermos pinheiros;
Meus irmãos da solidão...
E sofrendo, como eu,
Remota dor espectral
Que se espalha pelo val
Em penumbras de emoção,
E é a noite que vem do céu.

O Medo percorre a aldeia.
Seus vestidos são luar;
O seu rosto é lua cheia
De memória.

Entre os ramos do arvoredo,
Espreita o Medo,
Quando a lua merencória
Anda a espiar
Os espectros acordados;
Tenebrosos enviados
Do Mistério...
Imagens mortas de vidas,
Errando nas avenidas
D´um deserto cemitério.
Onde as lágrimas das árvores
Se ouvem cair sobre os mármores...
E há sombras que se arrepiam,
E os mochos lúgubres piam,
Em alto e negro cipreste
Gemebundo ao vento leste.

(...)

O medo à Morte a rezar!

Medo ao mistério profundo
Que enche de trevas o mundo.

Medo ao silêncio infinito,
Todo aflito,
Imóvel, petrificado
Em tão altas dimensões,
Que a gente não pode vê-las!
E é negro céu constelado
De ais, de gritos e orações
Que Deus converte em estrelas!

Cada alma tem seu medo...
O seu segredo
Que Deus lhe disse ao nascer,
Para ela o não dizer...

É a palavra misteriosa
Que faria eterna luz
Na escuridão da Natura.
Mas nem a disse Jesus,
Nem Sibila fabulosa...
E só baixinho murmurara
Ou na lágrima primeira
Ou derradeira...
Di-la o primeiro vagido
E o derradeiro gemido...


JOSÉ MARIA ALVES
http://www.homeoesp.org

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